A cronologia - ordenar eventos disparatados em uma sucessão temporal linear, estabelecer linhagens de reis e suas origens mais remotas, determinar a data exata da última ceia cristã, e, por que não, o dia preciso da criação do mundo - parece irremediavelmente contrária às formas de sensibilidade histórica e historiográfica consagradas ao longo do século XX. De fato, o que pode ser mais imprestável que reduzir as transformações e permanências das sociedades humanas no tempo a uma pilha de datas? Em outras épocas, porém, a cronologia reinou absoluta como forma por excelência do conhecimento histórico. De Hiparco a Ptolomeu, de Varrão a Censorino, de monges em mosteiros medievais europeus ao exuberante Joseph Scaliger e dele a Isaac Newton, particularmente a cronologia de base astronômica se afigurou como a padrão de ouro para a tarefa de, antes que interpretar, colocar ordem no passado e responder a urgências do presente. Da astronomia grega antiga ao humanismo cristão e além, a história da cronologia é pensada, via de regra, como um capítulo da história da "recepção das tradições clássicas" na Europa. Como veremos, porém, após passar em revista essa própria longa tradição que viu nos eventos celestes a chave para ordenar os do nosso mundo, intelectuais coloniais por todas as Américas também fizeram parte dela, e os modos como "receberam" a astronomia antiga em seus esforços para inventar uma antiguidade no Novo Mundo são reveladores do papel da primeira na legitimação da invasão europeia do segundo.